sábado, 22 de março de 2008

Um pouco de Poesia...

Ontem assinalou-se o Dia Mundia da Poesia. Não tive oportunidade de vir blogar, por isso só hoje deixo um tributo tardio a essa maravilhosa Arte.

Meio- Dia

Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto.
Tornou o céu de todo o deus desrto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo
Parece bater palmas.

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 19 de março de 2008

A todos os pais... um Feliz Dia!

Um poema para o Dia do Pai!

Ter um Pai! É ter na vida
Uma luz por entre escolhos;
É ter dois olhos no mundo
Que vêem pelos nossos olhos!

Ter um Pai! Um coração
Que apenas amor encerra,
É ver Deus, no mundo vil,
É ter os céus cá na terra!

Ter um Pai! Nunca se perde
Aquela santa afeição,
Sempre a mesma, quer o filho
Seja um santo ou um ladrão;

Talvez maior, sendo infame
O filho que é desprezado
Pelo mundo; pois um Pai
Perdoa ao mais desgraçado!

Ter um Pai! Um santo orgulho
Pró coração que lhe quer
Um orgulho que não cabe
Num coração de mulher!

Embora ele seja imenso
Vogando pelo ideal,
O coração que me deste
Ó Pai bondoso é leal!

Ter um Pai! Doce poema
Dum sonho bendito e santo
Nestas letras pequeninas,
Astros dum céu todo encanto!

Ter um Pai! Os órfãozinhos
Não conhecem este amor!
Por mo fazer conhecer,
Bendito seja o Senhor!
Florbela Espan
ca

terça-feira, 18 de março de 2008

Leituras

Mais Uma Aventura

Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada lançaram-se numa nova aventura... a 50ª!

A História de 26 ANOS DE UMA COLECÇÃO DE SUCESSO
Conheceram-se em 1976, à porta da escola onde ambas iriam fazer estágio. Nessa altura, estavam ainda longe de imaginar que, poucos anos depois, iriam constituir uma das mais bem-sucedidas parcerias da literatura infanto-juvenil em Portugal, área em que ambas fizeram, então, a sua estreia.Falamos de Ana Maria Magalhães e de Isabel Alçada, autoras da Colecção "Uma Aventura", sob chancela da Editorial Caminho, que este mês chegará ao seu 50.º título, com Uma Aventura no Alto Mar. Uma história centrada na Antárctida, sugerida por antigos leitores, hoje já adultos.
O lançamento oficial de Uma Aventura no Alto Mar, esse, está marcado para dia 15. Será às 16.00, na Livraria Byblos das Amoreiras, em Lisboa, na presença das autoras e do cientista que, desenvolvendo trabalho de investigação na Antárctida, foi também parte integrante da equipa que concebeu este 50.º volume da colecção. Fenómeno de vendas no mercado português - quase sete milhões de exemplares vendidos - desde a publicação, em 1982, do primeiro volume - sob o título Uma Aventura na Cidade -, a colecção, desde sempre ilustrada por Arlindo Fagundes, tem tido, da mesma forma, sucessivas edições. O título de estreia, recorde-se, teve a sua 18.ª edição em 2006, sendo ainda hoje o mais procurado pelos leitores, logo seguido do volume 2, Uma Aventura nas Férias do Natal (1.ª edição também em 1982; 17.ª edição em 2003). Desde então, a colecção tem abarcado variadíssimos temas e cenários, quer em Portugal, quer no estrangeiro, figurando alguns dos seus títulos no Plano Nacional de Leitura: Uma Aventura na Escola, Uma Aventura nas Ilhas de Cabo Verde, Uma Aventura na Serra da Estrela e Uma Aventura na Quinta das Lágrimas. Recomendada ainda pelo Ministério da Educação e pela Fundação Calouste Gulbenkian, a colecção tem tido, mais recentemente, uma cadência anual de publicação, estando o próximo volume, o 51.º, programado para 2009.
Presente na Internet no endereço www.uma-aventura.pt, a colecção - e tudo o que gira à sua volta - conta igualmente com um clube de fãs particularmente activo, com membros de várias idades, em representação de todos os pontos do País. (DN Online)

sábado, 8 de março de 2008

Dia Internacional da Mulher


Comemora-se hoje o Dia Internacional da Mulher.
NaWikipédia(http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia%20Internacional_da_Mulher) encontram as razões que estiveram por detrás da criação de tal dia. Todavia não podemos deixar de homenagear tantas meninas-mulheres que aprendem da pior forma a viver a sua condição feminina. Este dia deve, na minha opinião, servir para reflectir sobre a vida a que estão obrigadas, como se ser mulher fosse um estigma.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Semana da Leitura

No dia em que termina a Semana da Leitura, lembro o autor e o livro que escolhemos trabalhar nas aulas de Estudo Acompanhado.

O AUTOR:
António Mota nasceu em Vilarelho, Ovil, concelho de Baião, distrito do Porto, em 1957. É professor do ensino básico desde 1975. Em 1979 publicou o seu primeiro livro: A Aldeia das Flores. Em 1983, com a obra O Rapaz de Louredo, ganhou um prémio da Associação Portuguesa de Escritores. Em 1990, com o romance Pedro Alecrim, recebe o Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças. Em 1996, com a obra A Casa das Bengalas, ganha o Prémio António Botto. Desde 1980 tem sido convidado a visitar escolas preparatórias, secundárias e bibliotecas públicas em diversas localidades do País. Tem colaborado em vários jornais e foi interveniente em acções realizadas por várias Escolas Superiores de Educação de Portugal. Obras do autor publicadas pela Caminho: Pardinhas, 1998 ; Ventos da Serra, 1989; O Lobisomem, 1994 (2ª Edição); Sal, Sapo, Sardinha, 1996.


O LIVRO:
Quando eu era miúdo, gostava de passar férias em casa dos pais de minha mãe. Nesse tempo, o meu avô Henrique levantava-se cedíssimo, bebia um copinho de aguardente, comia uma fatia da broa que a minha avó cozia todas as semanas no forno a lenha que havia a um dos cantos da cozinha, pegava na enxada, na foicinha ou no cutelo e ia trbalhar para os campos.
Eu só acordava quando a minha avó Laurinda chamava pelas galinhas, para lhes encher o papo de milho e cacá-las pelas asas, e num instantinho enfiar o seu dedo mínimo da mão direita nas cloacas das bichas a ver se nesse dia iam pôr ovo. Se tal não acontecia, a avó desancava-as com impropérios, chamava-lhes lambonas e carochinhas.
Actividades:
Divisão da turma em pares.
Actividades de leitura:
- cada par lê e comenta dois capítulos da obra.
Actividades de escrita:
- resumo dos capítulos pelos pares e posterior montagem da história;
- acrescentar um novo capítulo ou dar um final diferente à história.

terça-feira, 4 de março de 2008

Marguerite Yourcenar


Historiadora-poeta e romancista (como ela mesma se define) Marguerite Yourcenar, que também foi tradutora, ensaísta e crítica, foi a primeira mulher a ser eleita para a Academia Francesa. Sua obra, que sonda o passado - familiar, mitológico e histórico -, conheceu um sucesso mundial com As Memórias de Adriano e A Obra em Negro, cujos heróis oscilam, a sua imagem, entre o gosto pelo conhecimento e a tentação da carne.
A primeira mulher a ser eleita em 1980 para a Academia Francesa nasceu com o nome de Marguerite de Crayencour, no dia 8 de junho de 1903 em Bruxelas, filha de mãe belga e pai francês. Antes de morrer "no campo de honra das mulheres" de uma febre puerpural consecutiva a seus partos, sua mãe, Fernande de Cartier de Marchienne, recomenda que não se impeça a menina de se tornar religiosa se ela assim quiser. Ingressando na literatura, Marguerite acredita ter atendido o desejo de sua mãe. Michel, seu pai, que é mais do que um pai, um pedagogo, um confidente, um amigo, não é homem de fazer a filha ingressar em qualquer ordem que seja. Esse anticonformismo deixa-lhe como herança o gosto pela vida errante, ilustrado nesse adágio que ela nunca esquecerá: Só se pode estar bem em outro lugar; a
lém de uma grande cultura, que divide com ela, assim como sua biblioteca. (Letras, nº21, 08/95)

A fuga de Wang-Fô


O velho pintor Wang‑Fô e o seu discípulo Ling andavam pelas estradas do reino dos Han. O reino dos Han: era o nome por que naquele tempo era conhecida a grande China.
Ninguém pintava melhor que Wang‑Fô as montanhas a sair do nevoeiro, os lagos sobrevoados pelas libélulas e as enormes vagas do Pacífico vistas a partir da costa. Dizia‑-se que as suas imagens santas atendiam imediatamente qualquer prece; sempre que ele pintava um cavalo, tinha que o mostrar preso a uma estaca ou seguro pelas rédeas, pois se assim não fosse o cavalo escapava‑-se do quadro a galope e nunca mais ninguém lhe punha a vista em cima. Os ladrões não se atreviam a entrar em casa de quem possuísse um cão de guarda pintado por Wang‑Fô.
Wang‑Fô poderia ter sido rico, mas gostava mais de dar que vender. Distribuía as pinturas que fazia por quem as apreciasse verdadeiramente ou então trocava‑-as por uma tigela de comida. O seu carinho ia todo para os pincéis, para os rolos de seda ou de papel de arroz e para os pauzinhos de tinta de diversas cores que ele friccionava contra uma pedra para misturar o pó numa pequena porção de água. [...].
Uma tarde, ao pôr-do-sol, chegaram aos subúrbios da capital e Ling arranjou uma estalagem onde Wang‑Fô pudesse passar a noite. O velho aconchegou-se nuns farrapos e Ling encostou-se a ele para aquecê‑lo, porque a Primavera ainda mal tinha começado e o gelo continuava a cobrir o chão de terra batida. Ling lamentava a sujidade da estalagem, mas o velho maravilhava-se com as sombras bruxuleantes que uma lâmpada mortiça projectava nas paredes e com os enigmáticos desenhos que faziam no tecto as marcas da fuligem. De madrugada, ressoaram pesados passos nos corredores e atrás deles ordens gritadas numa língua bárbara. Ling estremeceu, lembrando‑se de que na véspera roubara um bolo para a refeição do mestre. Certo de que o vinham prender, perguntou aos seus botões quem é que iria ajudar o velho a passar o vau do próximo rio.
Os soldados entraram com lanternas. A chama que se filtrava através do papel multicolor punha nos seus rostos reflexos encarnados, amarelos e azuis. Rugiam como animais ferozes e a corda dos seus arcos vibrava a cada grito. Um deles pousou a mão com rudeza na nuca de Wang-Fô, que não podia deixar de admirar os bordados dos seus mantos. Amparado pelo discípulo, Wang‑Fô seguiu-os cambaleando através das estradas aos altos e baixos. [...].
Chegaram à entrada do palácio imperial. As paredes violetas insinuavam em pleno dia um tom crepuscular. Os soldados obrigaram Wang‑Fô a atravessar salas redondas ou quadradas cujas formas simbolizavam as estações, os pontos cardeais, a lua e o sol, a longevidade e a Omnipotência. As portas giravam sobre si próprias emitindo notas musicais e o seu encadeamento era de forma a permitir que quem atravessasse o palácio do nascer ao pôr‑-do‑-sol ouvisse a escala toda. Por fim, o silêncio tornou‑-se tão grande que mal se ousava respirar; um escravo soergueu um reposteiro e o pequeno grupo entrou na sala onde reinava o Filho do Céu. [...].
O Mestre do Celeste estava sentado num trono de jade, e, cobertas de rugas, as mãos dele assemelhavam-se às dum ancião, se bem que ele ainda mal tivesse vinte anos. [...]
- Dragão Celeste, disse Wang‑Fô prosternado, sou velho, sou pobre, sou fraco. Tu és como o Verão; eu sou como o Inverno. Tu tens Dez Mil Vidas; eu tenho apenas uma e que vai acabar. Que mal é que eu te fiz? Ataram as minhas mãos que nunca te causaram nenhum dano.
- Perguntas‑me o que é que me fizestes, velho Wang‑Fô? - disse o Imperador. [...] Vou dizer‑to. O meu pai reuniu uma colecção de pinturas tuas no fundo do palácio e foi nessas salas que eu fui criado, velho Wang‑Fô, porque não me deixavam sair, com medo de que visse os infelizes e me afligisse o espírito ou agitasse o coração. Tirando um ou outro velho criado que aparecia o menos possível, a ninguém mais era permitido entrar nos meus domínios, não fosse quem passasse conspurcar-me com a sombra. De noite, quando não conseguia dormir, ficava a olhar os teus quadros e, durante dez anos, não houve uma só noite em que eu os não tenha contemplado. De dia, sentado num tapete de que já sabia de cor todos os desenhos, descansando as mãos nos meus joelhos de seda amarela, eu imagina­va o mundo - com o país de Han no meio - semelhante à planície côncava e monótona da mão profundamente atravessada pelos Cinco Rios. A toda a sua volta, o mar onde os monstros nascem e, mais longe ainda, as montanhas onde assenta o céu. Tudo isto eu imagina­va com a ajuda dos teus quadros. Aos dezasseis anos reabriram‑se as portas que me separavam do mundo; subi ao terraço do palácio para ver as nuvens, mas elas não se comparavam com as dos teus crepúsculos. Mandei vir uma liteira; sacudido através de estradas atulhadas de lama e de pedras com que eu não contava, percorri as províncias do Império sem encontrar os teus jardins repletos de mulheres parecidas com flores e as tuas florestas cheias de antílopes e de pássaros. Os calhaus da beira-mar fizeram com que eu me enjoasse dos oceanos; a fealdade das aldeias impede‑me de ver a beleza dos arrozais e o riso áspero dos meus soldados dá‑me vómitos. Mentiste-me, Wang‑Fô, velho aldrabão: o reino de Han não é o mais maravilhoso dos reinos e não sou eu o Imperador. O único império onde vale a pena reinar é aquele onde tu entras, velho Wang, pelo caminho das Mil Curvas e das Dez Mil Cores. Só tu reinas em paz sobre planícies onde a neve não derrete e sobre campos de flores que nunca morrerão. E é por isso, Wang‑Fô, que eu encontrei o suplício que te estava reservado, a ti cujas pinturas me fizeram detestar o que possuo e desejar o que jamais possuirei. E, para te fechar na única prisão de onde não poderás sair, decidi queimar-te os olhos, já que os teus olhos são as tuas portas mágicas por onde tu penetras no teu reino. E, já que as tuas mãos são as duas estradas de dez ramificações, que vão até ao coração do teu império, também decidi cortar‑te as mãos. Percebes tu agora, velho Wang‑Fô?
Ouvindo esta sentença, o discípulo Ling arrancou da cintura uma faca amolgada e precipitou‑-se sobre o Imperador. Dois guardas sustiveram-no. O Filho do Céu sorriu e acrescentou com um suspiro:
- Também te odeio, velho Wang‑Fô, por te saberes fazer amar. Matem esse maltrapilho.
Ling deu um salto para a frente, afim de evitar que o sangue manchasse a roupa do seu mestre. Um carrasco decapitou-o com um sabre. Os criados levaram os restos mortais, e Wang‑Fô, desespera­do, admirou a lindíssima mancha escarlate que o sangue do discípulo deixara no pavimento de pedra verde.
O Imperador fez um sinal e dois escravos enxugaram os olhos de Wang‑Fô.
- Ouve, velho Wang‑Fô, disse o Imperador, e pára de chorar, porque não é este o momento mais apropriado. Há na minha colecção das tuas obras um quadro admirável onde as montanhas, o estuário dum rio e o mar se reflectem, é claro que infinitamente reduzidos, mas com uma intensidade que ultrapassa a dos próprios objectos, como as figuras reflectidas na superfície duma esfera. Mas não terminastes esse quadro, Wang‑Fô, e posso obrigar-te a levá‑lo a cabo. Se te recusares, mando queimar todas as tuas obras antes do teu suplício e serás como um pai que viu morrer à sua frente toda a sua descendência. [...].
Wang‑Fô começou por tingir de cor‑-de‑-rosa a extremidade duma nuvem pousada numa montanha. Depois, acrescentou à superfície do mar uma pequena ondulação que tornou ainda mais profunda a sua calma. Estranhamente, o pavimento de jade começara a ficar húmido, mas Wang‑Fô, completamente absorvido pelo quadro, não dava conta de que já estava a trabalhar com os pés na água.
O frágil escaler, encorpado pelas pinceladas do pintor, ocupava agora todo o primeiro plano do rolo de seda. Um ruído de remos ergueu-se de repente na distância, vivo e cadenciado como um bater de asas. Aproximou-se, encheu a sala toda, depois cessou. Pequenas gotas reluziam, imóveis, suspensas dos remos do barqueiro. Há muito que o ferro em brasa destinado aos olhos de Wang‑Fô se tinha apagado no braseiro do carrasco. Com a água a dar‑lhes pelos ombros, os cortesãos, paralisados pela etiqueta, erguiam-se nas pontas dos pés. A água por fim atingiu o nível do coração imperial. O silêncio era tão profundo que teria sido possível ouvir lágrimas cair.
Era mesmo Ling. Trazia a roupa de todos os dias e na manga direita viam‑se ainda as marcas dum rasgão que ele não tivera tempo de coser, essa manhã, antes da chegada dos soldados. Mas à volta do pescoço trazia um estranho lenço encarnado.
Sem deixar de pintar, Wang‑Fô disse‑-lhe docemente:
- Julgava‑te morto.
- Estando você vivo, disse Ling cheio de respeito, como é que poderia ter morrido?
E ajudou o mestre a subir para o barco. O tecto de jade reflectia‑se na água, de maneira que Ling parecia navegar no interior duma gruta.
As tranças dos cortesãos submersos ondulavam à superfície como cobras e a cabeça do Imperador flutuava como um lótus.
- Repara, meu discípulo, disse Wang‑Fô melancolicamente. Esses infelizes vão morrer, se é que não morreram já. Nunca supus que no mar houvesse tanta água que pudesse afogar um imperador. Poderemos fazer ainda alguma coisa?
- Não te preocupes, Mestre, murmurou o discípulo. Não tarda que eles estejam de novo em seco, sem mesmo se lembrarem de ter molhado as mangas. Só o Imperador é que há‑-de guardar no coração um pouco do amargor do mar. Gente como esta não foi feita para se perder dentro dum quadro.
E acrescentou:
- O mar é belo, o vento favorável, as aves marinhas andam a fazer ninhos. Vamos embora, Mestre, para o lá de lá das ondas.
- Vamos, disse o velho pintor.
Wang‑Fô tomou conta do leme, e Ling debruçou‑-se sobre os remos. O seu ruído voltou a encher a sala, firme e regular como o bater dum coração. O nível da água ia baixando insensivelmente em torno dos enormes rochedos verticais que eram de novo colunas. Não tardou que apenas algumas esparsas poças de água brilhassem nas depressões do pavimento de jade. Os vestidos dos cortesãos estavam secos, mas o Imperador tinha alguns flocos de espuma na franja do casaco.
O rolo desdobrado e acabado por Wang‑Fô estava encostado a uma tapeçaria. Um barco ocupava todo o primeiro plano. Ia‑se afastando lentamente, deixando atrás de si uma estreita esteira que se voltava a fechar no mar imóvel. Já não se distinguia a cara dos dois homens sentados no escaler, embora ainda se visse o lenço encarna­do de Ling e a barba de Wang‑Fô flutuando ao vento.
A pulsação dos remos foi enfraquecendo, por fim cessou, obliterada pela distância. O Imperador, dobrado para a frente, com a mão em pala sobre os olhos, via afastar-se o barco de Wang que já não era senão uma mancha imperceptível na palidez crepuscular. Finalmente o barco contornou um rochedo que fechava a entrada do mar alto; a esteira extinguiu-se na superfície deserta e o pintor Wang‑Fô assim como o seu discípulo Ling desapareceram para sempre sobre aquele mar de jade azul que Wang‑Fô tinha acabado de inventar."


Marguerite Yourcenar


Este conto, dedicado aos mais jovens, é quase um poema em prosa, uma lenda extraordinária, cheia de beleza e fantasia. O protagonista é um velho pintor chinês Wang-Fô, a quem o Imperador ordena que termine um quadro, representando o mar e um navio. Após a conclusão da obra Wang-Fô, ficaria cego (castigo do Imperador desiludido). Mas o velho e pobre pintor consegue tornar real o mar, sumindo-se no barco que a sua arte concebera, vivendo, assim, a sua liberdade de artista, na companhia do seu discíplulo, Ling.


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